Em 1918 Batatais possuía uma população estimada em 20 mil habitantes, sendo que a maioria vivia nos ambientes rurais e cerca de 5 mil pessoas viviam na cidade. Com toda certeza, a quase totalidade dessa população era analfabeta, sendo que as informações chegavam “de boca a ouvido” e, muitas vezes, distorcidas para a maioria da sociedade.
Circulavam na cidade pelo menos três periódicos locais: A Cidade, Gazeta de Batataes e O Castello, que levavam até a população leitora as informações locais e algumas notícias de cunho nacional e internacional. Além dos jornais locais, sabemos que alguns poucos batataenses e instituições assinavam os jornais de grande circulação na capital paulista e no Rio de Janeiro, que chegavam pelos trilhos da Mogiana. Os outros veículos de informação e comunicação da época eram os correios, o telégrafo e o telefone. No acervo do Museu temos apenas exemplares da GAZETA DE BATATES para o ano em questão.
Quando o assunto é a Gripe Espanhola, pensamos em apresentar aos leitores uma pequena visão de como foi recebida a notícia da epidemia pela imprensa: as orientações, boletins sanitários, enfim, o que foi manchete e serviu de noticiário sobre a enfermidade, entre os meses de outubro e dezembro de 1918, período considerado critico da circulação do vírus, até a extinção do “mal reinante” na época em Batatais, conforme o informado no periódico. No entanto, sabemos que até junho de 1919, a Gripe Espanhola continuou fazendo vítimas por todo o território paulista.
Essa gripe recebeu diversos nomes: Gripe Pneumônica, Gripe Pulmonar, Pneumonia Gripal, Gripe Espanhola, Influenza ou Influenza Espanhola, Gripe de 1918 ou simplesmente “Gripe”. Além desses nomes, os estudiosos, consideram como a gripe epidêmica, para o último trimestre de 1918, óbitos que tenham causas de morte, a broncopneumonia e a pneumonia. Outras “síndromes gripais” ou mesmo complicações advindas da moléstia são comuns para a época, como por exemplo, a gripe intestinal.
A primeira notícia publicada sobre a Gripe Espanhola dada pela Gazeta de Batataes ocorreu dia 20 de outubro de 1918, na primeira página, ainda assim, sem tanto destaque. O título foi: A INFLUENZA “HESPANHOLA” – Uma Comunicação do Serviço Sanitário (veja a reportagem nesta coluna). Tratava-se de um aviso à população, com orientações da Diretoria do Serviço Sanitário Estadual sobre as medidas higiênicas, profiláticas e preventivas conhecidas na época para combater a epidemia. Conforme levantado à época, o serviço de saúde pública e o serviço sanitário estadual tinham muitas fragilidades e até precariedades, o que dificultava o controle da disseminação da Gripe de 1918.
Se os leitores prestarem atenção na leitura do comunicado impresso do jornal a Gazeta de Batataes, irá verificar que as orientações pareciam precárias (devemos considerar a época). Essas orientações continham as medidas preventivas individuais e imediatas – no entanto, essenciais – que poderiam ser tomadas para evitar o contágio e sua proliferação, como por exemplo: evitar o contato com outras pessoas e com isso, aglomerações; não se expor ao mau tempo para evitar resfriamento e manter a constância no cuidado com a higiene pessoal e do lar.
O que competia à população foi pontuado no artigo acima, na frase: “não pode haver profhylaxia eficaz, regional ou local, para a influenza, toda ela deve ser ‘individual’”.
Com isso, foram impostas à sociedade algumas responsabilidades, como tomar medidas que só podiam ser feitas e cabiam a cada pessoa de forma conscienciosa para o benefício de todos, o que causou certa resistência da população. Desta forma, a dificuldade em se estabelecer programas sanitários que a população siga sem pestanejar vem de pelo menos um século atrás.
O que regia realmente as cidades em termos de higiene e saneamento era o Código de Posturas, com instruções e orientações sobre a limpeza pública, construção civil, canalização de água e esgoto, higiene dos matadouros e casas de comércio de secos e molhados. A Legislação Sanitária Brasileira, datada de 1917, há pouco tinha sido aprovada e publicada.
A medicina científica do período, possuía pouquíssimos recursos para combater o vírus, que inclusive era chamado popularmente de germe, ou seja, era praticamente ineficaz frente ao controle ou erradicação da Influenza Espanhola. Vale lembrar que não existiam antivirais ou antibióticos.
O que se mostrou curioso, é que a medicina caseira ainda estava presente nos discursos sanitaristas. Os boletins oficiais ofereciam medidas populares de combate a Gripe de 1918. Isso, comprova que a medicina científica da época pouco ou nada sabia quanto ao que causava a enfermidade ou como combatê-la, não tendo respostas efetivas para o problema que enfrentavam. “(…) não devem ser usados desinfectantes energicos ou applicações mecanicas que possam irritar a mucosa naso pharyageana. As inalações com vaselina mentholada, os gargarejos com água de sal, com água iodada, com acido citrico, tannino e infusões de plantas contendo tannino, como folhas de goiabeiras e outras são aconselhaveis.(…)”
Ainda na mesma edição do dia 20/10/1918, outra reportagem com o título A GRIPPE, trazia informações da cidade de Ribeirão Preto retiradas do jornal Diário da Manhã. Constava que a cidade de Ribeirão Preto tinha 42 pessoas infectadas, porém isto “não deveria ser motivo de alarme por parte da população, pois nenhum dos casos verificados offerece a menor gravidade. Trata-se de uma grippe comum, ja tão nossa conhecida, por isso todos os annos se nos apresenta. Não, ha, motivo, pois, para que a nossa população se sobresalte, pois, ao que parece, a molestia não terá consequencias maiores do que a urucubaca que tanto deu o que falar ha tempos atraz”.
Quanto a Ribeirão Preto, mesmo sendo uma cidade considerada salubre, ainda assim, possuía locais e bairros com moradias conglomeradas e falta de higiene e saneamento. Com isso, aliado a intensa mobilidade de pessoas vindas para o interior pelas ferrovias, inclusive de imigrantes para as lavouras de café, a cidade foi uma das mais atingidas pela Gripe Espanhola no interior paulista. De acordo com pesquisas, Ribeirão Preto teve quase 10% da população identificada com a doença – em torno de 6 mil pessoas. Desse total, ocorreram pelo menos 205 óbitos por gripe no último trimestre de 1918. (BASSANEZI, 2012).
Em seguida, os redatores do jornal batataense informaram, a pedido do inspetor escolar geral da cidade, Dr. Frederico Marques, que as escolas públicas, isoladas e particulares suspendessem suas atividades. Informaram também que o governo do Estado ordenou o fechamento de locais que, por ventura, formassem aglomerações, como cinemas, teatros, salões de danças, sociedades, agremiações e clubes. Contudo, ainda naquela edição, o Teatro São Carlos e o Salão Santa Cecília anunciaram suas programações para o final de semana.
Na edição de 27/10/1918, a municipalidade, representada pelo prefeito Major João de Andrade Diniz Junqueira, manifestou-se pela primeira vez, veiculando o mesmo boletim da Diretoria Sanitária, já publicado anteriormente, com o título Para evitar a influenza. A postura e rapidez das autoridades batataenses foram pontuais para que a epidemia no município não tivesse severas seqüelas.
Além das orientações do boletim, outras medidas mais incisivas a fim de evitar aglomerações foram tomadas pelo prefeito municipal, como a suspensão de apresentações musicais da Banda Euterpe Batataense ou qualquer outra nos espaços públicos da cidade.
Foi solicitado aos “empresarios dos theatros, que não realizem sessões cinematográficas ou espetáculos dramáticos emquanto a ‘influenza hespanhola’, que ora grassa em quase todo o Estado, não se apresentar em declínio sensivel.”
O poder executivo, por precaução, solicitou ao governador do Estado de SP, o batataense Dr. Altino Arantes, as medicações existentes para combater a Gripe no apoio às pessoas mais necessitadas. Mesmo que, até aquela data, segundo informações coletadas no jornal, não existia nenhum caso notificado do “mal reinante” no município.
GRIPE ESPANHOLA
Apesar de usarmos a expressão epidemia, a Gripe de 1918 é considerada uma pandemia, pois atingiu praticamente todos os continentes e segundo dados contaminou cerca de 600 milhões de pessoas e vitimou no mínimo 20 milhões de pessoas. É conhecida como Gripe Espanhola, embora sua origem provável sejam os EUA. Qual o motivo então desse nome? Foi porque fez mais vítimas neste país? A resposta foi encontrada nos fatos internacionais do período: a Grande Guerra ou Primeira Guerra Mundial (1914-1918) estava em seus dias finais.
No entanto, nada ou pouco se sabia a respeito desse mal que assolava a Europa, em função da censura de imprensa. Segundo pesquisadores, os países em guerra não divulgaram nada a respeito da gripe que dizimava mais do que o total de mortos no conflito bélico, cerca de 8 milhões de pessoas.
A Espanha era um país neutro, não beligerante, e as notícias sobre a doença e seu rápido contágio e letalidade, não sofriam censura nos jornais do país, ao contrário, foram destacadas pela imprensa hispânica. As primeiras notícias alarmantes sobre a gripe epidêmica e seus efeitos nefastos vieram por meio da imprensa espanhola. As pessoas então faziam referência “a Gripe da Espanha”, a “Influenza Espanhola”.
A Gripe Pneumônica encontrou um continente devastado pela guerra, hospitais aglomerados, fome, carestia e péssimas condições sanitárias. A Europa foi o lugar propício para se disseminar e acabar com milhares de vidas, entre civis e militares. De forma incontrolável, ceifou vidas nas duas frentes de combate: aliados e alemães.
É certo que a moléstia chegou ao Brasil pelas cidades portuárias e se espalhou rapidamente pelas principais capitais entre os meses de setembro e outubro de 1918, através das ferrovias. Tão logo chegou à capital paulista, começou a se alastrar e fazer suas vítimas, principalmente entre os mais necessitados. Porém, os governantes não acreditavam, ou não quiseram acreditar, em sua vasta e assombrosa disseminação, chegando a minimizar seus efeitos, que se mostraram pandêmicos.
A população paulista alarmada com o que vivenciava teria pressionado o Estado de SP a tomar providências preventivas e dar soluções curativas eficazes. Pelo jeito, não foi tarefa fácil!
São Paulo, aliás, o Brasil como um todo, sofria as conseqüências da guerra na Europa: carestia e preços exorbitantes dos produtos de primeira necessidade. As geadas constantes no estado de SP também deixaram a economia cafeeira abalada. Calcula-se que o Brasil tenha tido por volta de 300 mil vítimas fatais da doença.
ORIGEM DA GRIPE
De acordo com os estudos realizados, a Gripe de 1918 teve origem provável nos EUA, porém já existem estudos que atribuem a sua origem ao continente asiático.
Sabe-se que no mês de março do mesmo ano, de forma concomitante, mais de mil operários de uma fábrica em Detroit e milhares de soldados em treinamento no Kansas para combater pela frente aliada na Europa foram hospitalizados e tiveram sintomas semelhantes aos de uma gripe comum. Os sintomas desapareceram em poucos dias, sem tanta malignidade.
Os soldados americanos restabelecidos desembarcaram na Europa carregando com eles uma doença grave. A princípio, as autoridades médicas acreditaram se tratar de uma gripe de caráter epidêmico, mas de grau leve. Infelizmente, a gripe não era tão leve e comum assim, o vírus se mostrava fatal em pouco tempo. A identificação do vírus da Gripe Espanhola ocorreu em 1933.
AS TRÊS ONDAS EPIDÊMICAS
– 1a. onda – ocorreu entre os meses de março e junho de 1918. Pode ter sido confundida com a gripe comum. Acredita-se que no Brasil não tivemos essa fase.
– 2ª. onda – período epidêmico da enfermidade, ocorreu entre os meses de agosto de 1918 e janeiro de 1919. Pico da moléstia nos meses de outubro, novembro e dezembro por todo o Estado de SP.
– 3ª. onda – primeiro semestre de 1919. No mundo, entre fevereiro e maio de 1919. No Brasil acreditam que ela tenha chegado até o mês de agosto de 1919. Apresentou-se de forma mais branda e menos letal e ocorreu em locais mais afastados e menos povoados.
FORMAS DE TRANSMISSÃO
A transmissão ocorre por via aérea no contato pessoa a pessoa.
Pesquisadores creditam que a grande mobilidade espacial dos paulistas e a quantidade de linhas férreas tenham contribuído para a larga e rápida disseminação da doença.
SINTOMAS COMUNS
Sintomas característicos de uma gripe, como febre, calafrios, tosse, coriza, intolerância à luz, dores pelo corpo, dor de cabeça, diarréia, indisposição gástrica, delírios e complicações cardiorrespiratórias. A pessoa contaminada chegava a morrer em até dois dias após manifestação dos primeiros sintomas.
DIAGNÓSTICO FEITO PELAS AUTORIDADES MÉDICAS
Com base nos sinais e sintomas declarados pelo paciente e observação do médico quanto ao estado geral do doente: como ânimo, apetite, sono, quadro neurológico, reflexos, tônus muscular, etc; como auscultação do coração e da região torácica; apalpação do abdômen, medição de temperatura e pulsação; exame das secreções dos brônquios; verificação do funcionamento do sistema digestivo, urinário e excretor.
MEDIDAS PREVENTIVAS E PROFILÁTICAS
As autoridades sanitárias solicitavam que a população fizesse o isolamento domiciliar; evitasse aglomerações; não ficassem no mau tempo para evitar resfriamento; tomasse chá a base de quinino e mantevesse corpos e locais de moradia higienizados e desinfetados.
TRATAMENTOS
Cápsulas de bromhidrato de quinino (sanahespana), uso do quinino em chá, preparação peitoral composta de mel e menta, comprimidos de Cloroquinino, tônicos e xaropes.