/O Teatro Municipal de Batatais e Bassano Vaccarini

O Teatro Municipal de Batatais e Bassano Vaccarini

Caro leitor, podemos afirmar que nestas “paragens dos Batatais” foram concebidos e recebidos artistas que souberam valorizar este canto e povo do nordeste paulista. Nesta edição, tratamos de mais um dos artistas que deixou marcas por Batatais, em especial no atual Teatro Municipal, que fez 50 anos em dezembro de 2019. O artista encontrou morada, família e amigos em nossa região, onde apresentou seu modo de ver o mundo, as relações sociais e as pessoas. Era conhecido pessoalmente por muitos, e de convívio de outros tantos de nossa região. Este artista foi Bassano Vaccarini (1914-2002).
Como artista, trilhou pela pintura, escultura, teatro e cinema experimental. Deixou um legado com a força e representatividade de suas obras, como também de sua presença carismática e combativa. Além de artista, foi educador, trabalhando como professor do ensino básico e universitário.
As obras de Bassano Vaccarini são de grande valor cultural, de cunho modernista e, tal qual as obras de Portinari, teriam ‘mexido’ com temas sociais, mudando paradigmas em São Paulo. O artista viveu por volta de 50 anos em nossa região, intercalando períodos de moradias entre as cidades de Ribeirão Preto e Altinópolis. Suas obras estão espalhadas por diversos parques, praças, edifícios públicos e particulares, pelo interior do estado de São Paulo, com destaque para o Jardim das Esculturas, conjunto notável de esculturas em cimento, localizadas a céu aberto na cidade de Altinópolis, para dar “mãos” à sua inventividade.

Em Batatais, além das obras localizadas no Teatro Municipal, podemos reconhecê-lo em outros espaços públicos, como na atual EE Cândido Portinari (onde trabalhou como professor na década de 60 e início dos anos 70), no Centro de Lazer do Trabalhador e em espaços privados, como na residência dos Missionários Claretianos, a famosa Casa de Barro.

 

No Teatro Municipal “Fausto Bellini Degani” encontramos quatro trabalhos comprovadamente de Vaccarini – um painel em alto relevo, dois painéis metálicos e o projeto do fosso móvel para orquestra.
O primeiro, Tragédias Gregas, feito em pedra-talco e revestida em pedra-sabão, fica no hall de entrada do teatro, a ser vista pelos que entram naquela casa de espetáculos. Assim, todos são recebidos por uma espécie de cortejo religioso festivo, composto por homens, mulheres e animais em transe, desinibidos e despidos de suas vestes mundanas. Ao mesmo tempo em que trazem ao corpo, máscaras estilizadas na forma de mênades e sátiros, personagens mitológicos gregos ligados a Baco. As máscaras, em sua maioria, metamorfoseadas com jubas de leão, representam a tragédia e comédia gregas, hoje, símbolos do teatro universal.


Os dois painéis metálicos em superfície plana, Dom Quixote e Sancho Pancha, estão nas paredes laterais da platéia próximas ao palco e visíveis ao público. As obras foram feitas com restos das sobras de calhas usadas na construção do prédio e receberam acabamento em pintura. Esses dois personagens, criados para a dramaturgia por Cervantes, permanecem como guardiões das emoções que a arte cênica nos proporciona.

Outra obra que pode ser atribuída ao biografado, atualmente, ocupa lugar de destaque, à frente, na entrada do prédio Teatro Municipal, instalada há pouco tempo. A peça que deve pesar em torno de meia tonelada, levanta debates. Trata-se do painel feito em mosaicos de pedra com duas faces, que se encontrava anteriormente no jardim de entrada de uma residência na Rua Monsenhor Alves, doado ao município pela atual família proprietária da casa, diante de valorosa intermediação de outros amigos da cultura. Seria a peça de Bassano Vaccarini? De Carlos Zamboni? Dos dois artistas numa parceria? O que já sabemos? O que já foi constatado? Como saber?

BASSANO VACCARINI
(1914-2002)
Na biografia oficial editada pela filha Daniela Vaccarini, em 2006, Bassano Vaccarini nasceu em San Colombano al Lambro, Itália, em 14 de agosto de 1914, início da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), filho de Francisco Vaccarini e Maria Franchescini. Desde criança, demonstrava sua predileção pelas cores e materiais, ao fazer desenhos principalmente com carvão nas paredes de sua casa paterna. Admirava durante horas a arquitetura religiosa e esculturas em bronze de sua cidade natal. Cedo ainda, aos 7 anos, tornou-se ajudante de pintor de paredes. Com o tempo, suas habilidades artísticas ficaram evidenciadas, o que o levou a cursar: pintura, arte escultórica e gravura no Liceu Artístico em Milão, no Instituto de Artes Decorativas em Monza. Em 1932 foi para a conceituada Academia de Brera em Milão, sendo escolhido como melhor escultor jovem no ano de 1933. Estudou também na Escola de Belas Artes de Genebra. Algumas de suas obras desse período são La resurrezione di Lazzaro, Littoriali dell’Arte, Composition, Famiglia,…
No início da década de 20 foi seduzido pelas ideias do movimento fascista, de cunho conservador totalitário e nacionalista, como a maioria dos jovens italianos da época, liderado por Benito Mussolini. Na década seguinte, como artista, Vaccarini foi também atraído pelo movimento artístico conhecido como Futurista, iniciado por Felippo Tomaso Marinetti, em 1909, que exaltava a modernidade e o que ela representava. Com isso, seus adeptos faziam culto às máquinas, à velocidade, à tecnologia, o rompimento com o arcaico e dos meios tradicionais de expressões artístico-literárias.
Participou, ao lado dos fascistas, da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) como paraquedista, fato que evitava falar, por ter percebido seu equívoco: seus ideias se chocavam com os horrores da guerra. Sua nova percepção e transformação perante as mazelas humanas o transformaram num homem ativo, aberto, humanitário, combativo e libertário.
Com a Itália devastada pela guerra, segundo consta, Bassano Vaccarini encontrou outro local para viver, por meio de um cartão postal, o Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro em 1946, ficando por alguns meses na capital federal. Mudou-se para a cidade de São Paulo, onde morou por volta de 10 anos. No primeiro ano de sua estadia no Brasil, mesmo com suas participações em mostras e salões, seu trabalho não foi reconhecido. Já em 1947, começa a ganhar destaque e alguns prêmios vieram. Esse contexto, entre as décadas de 40 e 50, fez com que Vaccarini pudesse trabalhar como cenógrafo, dirigir peças de teatro, produzir filmes, contemporanizar a iluminação junto com alguns renomes da época, como Paulo Autran, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Ziembinski, Franco Zampari, Gianni Ratto no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e na Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Lecionou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU) de São Paulo, e mesmo durante a ditadura militar, numa escola experimental, um ginásio vocacional em Batatais.
Em 1956, foi convidado pelo executivo da cidade de Ribeirão Preto (SP), a organizar as comemorações do centenário da cidade e revitalizar alguns espaços públicos. De uma temporada, acabou fixando residência. Daí em diante, não parou de produzir suas obras e sempre a conhecer outros suportes e mídias.
Lecionou na Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Destacou-se como pioneiro na animação para cinema no Brasil com o Centro Experimental de Cinema da Escola de Artes de Ribeirão Preto (CEE – 1959-1962), que passou a ser um local de referência para artistas plásticos realizarem experimentações em animação.
Nas três últimas décadas de sua vida, mesmo doente, produziu obras monumentais em Altinópolis e Batatais, com uma rotina frenética diária de trabalho.
Faleceu em Altinópolis, em abril de 2002, aos 87 anos, ao lado da esposa e da filha.