/Lugar dos mortos: o Cemitério Bom Jesus e o Cemitério da Saudade de Batatais

Lugar dos mortos: o Cemitério Bom Jesus e o Cemitério da Saudade de Batatais

Vista aérea dos cemitérios Paroquial e Municipal

Na edição anterior tratamos dos cemitérios eclesiásticos existentes no decorrer no século XIX em Batatais: primeiro, no povoado primitivo nas proximidades da Fazenda Batataes, no período de sua elevação à categoria de Freguesia do Senhor Bom Jesus da Cana Verde em 1815; em seguida, no novo povoado do Campo Lindo das Araras por volta de 1822 até as primeiras tentativas de se estabelecer o uso de um ‘cemitério a céu aberto’ distante dos templos religiosos, como o Cemitério do Bosque, na segunda metade do século XIX, a partir das novas medidas sanitárias e higiênicas estabelecidas, por volta de 1850.

Para constar, a partir do Código de Posturas de 1872, coincidência ou não, começa a ser registrado no livro de assentos o sepultamento de homens, mulheres e crianças, em sua maioria, escravizados, no Cemitério do Espírito Santo, o que nos fez questionar se esse era o nome do ‘Cemitério do Bosque’ ou se durante alguns anos, os escravizados e os menos favorecidos economicamente eram enterrados em terrenos separados.

Isso posto, foram levantadas algumas hipóteses. A primeira delas relaciona-se com o estabelecimento do Código de Posturas de 1872 e a cobrança por enterramento pela prefeitura no Cemitério do Bosque, assim, a população desprovida de recursos permaneceu sendo enterrada nas proximidades da Igreja, no antigo ‘semiterio interino’, por um período também denominado de Cemitério do Espírito Santo (até meados de 1880) e a população mais abastada passou a ser sepultada somente no Cemitério do Bosque, a partir de então em lápides próprias.

A segunda hipótese, de cunho mais sectário, pressupõe que as pessoas mais abastadas passaram a ser enterradas propositalmente separadas das pessoas pobres e escravizadas, sendo então mais antiga esta separação entre cemitério dos pobres e dos ricos.

O Código de Posturas vigente ainda era o de 1872 e nele constavam algumas orientações que permaneceram ao longo dos anos, tais como:

Todo aquelle que, falecesse repentinamente, seria examinado por pessoas profissionaes, juramentadas, se as houver no logar, antes de ser sepultado, estabelecida para a transgressão de tão salutar disposição, a multa de oito mil réis, além de ficar o mandante do enterro, responsável pelas custas e despesas da exhumação, no caso de haver suspeitas de ter sido a morte um homicídio.

Nenhum defunto poderia ir para a cóva antes de decorridas vinte e quatro horas, nem ficar fora dela por mais de cincoenta horas, salvo – diz o artigo 204 – os casos exceptuados ‘por demora, pagos os officios de justiça’. (…)

Os ‘cadáveres dos que morrerem de bexigas ou outras rnolestias epidêmicas ou contagiosas’, seriam sepultados ‘em logar distincto e separado dos mais cadáveres’, naturalmente para evitar o contagio, o que, convenhamos, seria uma calamidade. Prohibiam as posturas ‘a résa cantada em voz alta pelos assistentes de cadáveres depositados em casas particulares’, principalmente se nas redondezas houvesse ‘enfermo grave ou qualquer parturiente’: – multa de cinco mil réis ao dono do defunto e de dois mil reis ‘a cada um dos cantores’.

Aquelle que insultasse um cadáver ‘com palavras ou acções’ seria passível de multa, fixada em vinte mil reis e acrescida de cincoenta por cento se o fizesse “presente parentes ou afins do morto, até o terceiro grau, segundo o Direito Canônico.” (FRANS, 1939a, p. 27 e 28)

Com o passar dos anos, por volta de 1880, e com o fim da escravidão em 1888, os registros com a especificação Cemitério do Espírito Santo deixam definitivamente de ocorrer.

A título de curiosidade, seguem duas transcrições de enterramentos ocorridas no pós-abolição em julho de 1888, demonstrativa da coexistência, que muitos não assimilam ainda hoje, de ‘libertos’ e imigrantes europeus convivendo num mesmo espaço e época:

“Aos vinte de julho de miloitocentos oitenta e oito, feita a encomendação, sepultou-se neste cemitério o cadáver de Augusto, de oitenta anos de idade, solteiro, africano, ex-escravo de Vicente Ferreira da Silva, tendo falecido de hipropesia e sem confissão por não me terem chamado: de que, para constar, fiz este termo. O Vigário Conego Joaquim Alves Ferreira.”

“Aos vinte e quatro de julho de miloitocentos oitenta e oito, feita a encomendação, sepultou-se neste cemitério o cadáver de Antonio, solteiro, de dezesseis anos de idade, filho legítimo de Antonio e de Santa, italianos, falecido de pneumonia: de que para constar, fiz este termo. O Vigário Conego Joaquim Alves Ferreira.”

 Fato é que a população batataense, em sua maioria, não sabe muito sobre a região que deu origem ao campo de futebol, o Estádio ‘Dr. Oswaldo Scatena’ e a Praça Nossa Senhora Aparecida no alto da Rua Barão de Cotegipe. Muito ainda deve ser pesquisado.

Um dos memorialistas batataense, Cassio Alberto Lima, atuante na cidade desde a década de 40, tratou da região do antigo cemitério remoto do município:

A rua do Barão do Rio Cotegipe, que cedeu as suas duas quadras iniciais para imortalizar o Dr. Leandro Cavalcanti da Silva Guimarães, médico dos mais cultos e respeitados em nossa terra, era a chamada rua do Cemitério e nos idos de 1920, no número dois morava meu pai e minha família. Por quê rua do Cemitério? Ela começava no Largo da Cadeia, onde hoje é a Praça Dr. Paulo de Lima Correia e Prefeitura Municipal de Batatais. O mais antigo cemitério de Batatais, o Paroquial, ocupava toda área que constitui a Praça Nossa Senhora Aparecida, defronte ao Estádio do Batatais F.C. e isso desde a sua fundação. Alí, após a mudança do cemitério paroquial para o lugar atual, ao lado do mesmo Estádio de Futebol, sucedeu-se um bosque de Eucaliiptus, que a noite, arrepiava aos que arrepiava aos que eram obrigados a atravessá-lo, afim de atingir suas casas no bairro do Riachuelo. E não haviam assombrações, tudo era fruto da emoção do medo do desconhecido, como só ser em tudo na vida em situações que tais. Gemidos, dizem, eram ouvidos, de quando em vez, mas garantem os antigos, que não eram sobrenaturais.” (LIMA, in: Ruas de Batatais Antiga, em 28/11/1989)

A seguir, um artigo datado de 1936 publicado na Tribuna de Batatais, “O Bosque de Eucaliptos”, endereçada ao Monsenhor Joaquim Alves. Nele, o autor questiona o fim a ser dado à região que, durante um tempo serviu de campo-santo para o enterramento dos corpos,

“Ouvimos dizer, mas não acreditamos que o bosque de eucaliptos existente em frente ao campo de esportes está ameaçado de destruição para em seu lugar serem edificadas casas de habitação. A nosso ver isso é uma dupla profanação. Batatais é uma cidade católica como poucas. E que não o fosse, o respeito aos mortos não é só dado pelos católicos, todas as religiões o professam. Ora o bosque de eucaliptus foi um Campo-Santo, um Cemitério. Ali repousam os restos mortais dos avós de muitos que aqui vivem. Hoje um bosque, mas como nada se crea e nada se perde, dentro desse bosque, nas profundezas de suas raízes ou no cimo de suas copas, estão os mesmos componentes que transitaram pelas ruas que passamos, que foram conduzidos inertes à igreja com todo o cerimonial católico e depois ali depositados para o eterno repouso. Quem de nós ousará levantar uma casa dentro do bosque de eucaliptos que é uma necrópole? Quem, existindo tantos terrenos vagos por essa cidade, irá profanar um cemitério e destruir não uma árvore, mas centenas delas? Que no bosque, em frente ao campo de esportes, repousem em paz os restos mortais das gerações que aqui viveram e que os belos eucaliptos que os abrigam com sua fresca sombra continuem a crescer muito e cada vez mais, quebrando a impetuosidade dos ventos e purificando o ar com sua fragancia e verdura. São os votos que faz um amigo das arvores.” (TB, 27/09/1936)

Ao que parece a reclamação foi em vão, hoje na região onde ficava o antigo Cemitério do Bosque, temos a atual Praça Nossa Senhora Aparecida.

Após essa explanação, trazemos aos leitores algumas notas referentes aos cemitérios ainda existentes na cidade, o Cemitério Bom Jesus e o Cemitério da Saudade. O que não faltam são denominações para os dois cemitérios, também conhecidos como Cemitério Paroquial e Cemitério Municipal, respectivamente.

Presume-se que a partir da criação do Cemitério da Saudade, em 1903, a população passou a fazer a distinção entre os dois cemitérios, sendo o primeiro, paroquial considerado o Cemitério dos Ricos e o segundo, o municipal, como o Cemitério dos Pobres, fazendo a mesma alusão ao período em que os mais abastados eram enterrados no interior das igrejas e os demais nos arredores. Há também quem os diferencie como Cemitério Velho e Cemitério Novo.

O que podem nos dizer os cemitérios? Os cemitérios ainda existentes em Batatais datam do final do século XIX e início do século XX e podem servir para compreendermos a sociedade em todos os tempos. Trazem, por exemplo, para estudo e reflexão sobre os espaços destinados aos cemitérios, a exteriorização da fé, o sincretismo religioso, a representação da morte por meio das figuras e símbolos sacros, a arte funerária, a arquitetura cemiterial e tumular, as técnicas construtivas dos diversos túmulos, a arte em mármore e os marmoristas locais e estrangeiros,

E como estão os cemitérios em Batatais? Que tal uma pequena enquete com seus fiéis frequentadores ou mesmo os frequentadores esporádicos?

 

Cemitério Paroquial: quando os corpos saem definitivamente da Igreja

Reprodução fotográfica do Cemitério Paroquial em seus primórdios – 1902/1903. Pessoas em romaria pelo cemitério organizada pelo
administrador do local, Major José Olympio Freiria. Fonte: O JORNAL, 26/10/1941

Conforme destacam Frans e Tambellini, o ‘Cemitério do Bosque’ foi substituído por um outro cemitério, construído logo abaixo do cemitério desativado.

O pároco local da época, o Cônego Joaquim Alves Ferreira, obteve licença das instâncias superiores da Igreja para construir um novo cemitério em 28 de junho de 1888.

O novo ‘Cemitério Parochial de Batataes’ foi inaugurado após a aprovação do Bispo de São Paulo do Regulamento do ‘Novo Cemitério’, em 06 de abril de 1889.

O Regulamento do novo Cemitério Paroquial de Batatais está registrado no 2º B – Livro de Tombo da Igreja Matriz:

“Art. 1º – O cemitério novo da cidade de Batataes construído logo abaixo do actual cemitério, fica sujeito ao presente regulamento, depois de aprovado pela competente autoridade eclesiástica e sob a administração e fiscalização do fabriqueiro e zelador por ter sido construído à custas da Fábrica e auxílio de alguns fieis.

Art. 4º – Haverá no cemitério lugar separado para a sepultura de cadáveres, que segundo as leis canônicas não podem ser enterradas no sagrado.

Art. 5º – A área do cemitério será arruada e dividida segundo a área (?) organizada pelo parocho de acordo com o fabriqueiro separando uma parte para as sepulturas de adultos, parte para as de menores, além da que foi destinada para os que não devem ser enterradas no sagrado.

Art. 13º – Na mesma cova não se poderão enterrar dous ou mais cadáveres.”

No mesmo dia 06 de abril de 1889, encontramos no livro de registro de óbitos da Paróquia, o assentamento abaixo, o que no entanto, não implica em afirmar que os restos mortais já foram enterrados no novo cemitério:

“Aos seis de abril de miloitocentos e oitenta e nove, feita a encommendação, sepultou-se neste cemitério, a menor de nome Venancia, de um anno de idade, filha legítima de Gabriel e Maria Violanta, libertos pela forma da lei de 13 de maio de 1888, fallecida de febre, em casa de seus pais: de que para constar fiz este termo. O Vigário Conego Joaquim Alves Ferreira.”

Acredita-se que com a formação desse novo cemitério, muitos corpos enterrados no antigo local foram transladados para o novo cemitério, até pela proximidade entre os campos sagrados.

A seguir, fotografia de um jazido, que apresenta corpos sepultados inicialmente no ‘Cemitério do Bosque’; ambos nascidos no final do século XVIII e falecidos no ano de 1875, o Coronel Antônio Pereira e D. Julianna Josepha da Silva.

Ao lado, fotografia de uma lápide de mármore de carrara, ornamentada com ramos de videira, com os restos mortais do Capitão José de Andrade Dinis Junqueira, transladados do Cemitério do Bosque para o Cemitério Paroquial de Batatais, falecido em 22/11/1882.

Acervo MHPWL

 A responsabilidade de enterrar os mortos – fossem eles católicos ou não – foi da Igreja Católica até a institucionalização da República, em 15 de novembro 1889.

Porém, em 23 de maio do mesmo ano, o Governo da Província de São Paulo antes mesmo da Proclamação da República, emitiu uma circular para as Câmaras Municipais, determinando a emissão de certidão de óbito pelo escrivão de paz de cada cidade, o quê com a criação do novo cemitério já se fez constar no regulamento interno.

De acordo com a circular,

não consintam enterramentos no cemitério desse Município, sem constar da certidão de óbito passada pelo escrivão de paz o ‘sepulte-se’ do respectivo Parocho, salvas as restricções da citada circular”. (ACMB, 1889)

Assim sendo, foi a partir de 1889 que o governo provincial paulista passou a exigir a emissão de certidão civil de óbito. Quanto ao ‘sepulte-se do respectivo parocho’, este deixava de ser necessário quando o defunto fosse acatólico:

determinando a Circular de 20 de abril de 1886 que o mencionado – sepulte-se – do parocho – não seja exigido para enterramentos dos que não são cathólicos, é claro que só pode ser exigido dos catholicos.” (ACMB, 1889)

Ao que tudo indica, a população batataense sofreu algumas dificuldades e constrangimentos com os párocos locais que seguiam fielmente as instruções normativas da Igreja Católica e, assim, impediam os defuntos acatólicos de serem enterrados em determinados locais do cemitério.

Uma passagem narrada por Jean de Frans sobre o enterro de um conhecido maçon, morador da cidade, o italiano Pedro Mascagni, falecido a 09 de julho de 1900 demonstra essa situação:

“(…) O padre, num gesto talvez irreflectido, extranhavel num homem de sua cultura, negou-lhe sepultura no “sagrado”, uma vez que o cemiterio era parochial, e determinou que o sepultamento fosse feito na parte “não benzida”, destinada aos que morriam fóra da communhão da igreja, e isso porque Mascagni fôra maçon. Quando a massa immensa que acorrera aos funeraes foi scienti da extranha decisão, protestou vivamente e obrigou os coveiros a darem sepultura áquelles despojos no ‘terreno sagrado’.” (FRANS, 1939a, p.189)

Gazeta de Batataes, 10/04/1913

Uma situação curiosa que conseguimos resgatar para nossos leitores, foi sobre o aparecimento, dentro do cemitério paroquial, de um caixão funerário vazio, que a princípio causou um certo alvoroço entre os frequentadores do local, que desconheciam o motivo de tal fato. Ao final, descobriu-se que o caixão fora abandonado, após o defunto ser colocado em outro caixão para ser enterrado. (Ver nota ao lado)

Nos anos de funcionamento do Cemitério do Bosque e na primeira década de existência do Cemitério Paroquial de Batatais, os enterros cristãos convencionais, de acordo com Jean de Frans (1939) eram realizados seguindo algumas tradições e normas, tais como:

“Quanto aos enterros, se o morto era adulto, os sinos dobravam, meia hora antes, e á hora ajustada a irmandade do Santissimo deixava a Matriz, com cruz alçada revestida de pannos pretos, acompanhada pelo sacerdote paramentado de luto, e se dirigia á casa do morto. Alli havia a encommendação do ritual, a banda de música com seus cantores desenfardelava umas coisas tristíssimas e partia o cortejo funebre: – adiante a irmandade, depois o feretro, em seguida o sacerdote, os amigos do defunto e por fim a banda. Portavam na igreja, nova encommendação, caminho do cemiterio, terceira encommendação atirando cada um dos presentes um punhado de terra na sepultura. E os sinos a dobrarem doridamente durante todo esse· tempo: – começava o dobre pelo sino mais grave se o fallecido era homem, pelo mais agudo se mulher. Em casa do morto, á hora do sahimento, distribuiam velas de cera aos presentes, que as conduziam acesas até o cemiterio, deixando-as junto á campa.”

Se morria uma criança, – um anjo, diziam -, os sinos, ao invés de dobrarem, repicavam. A irmandade conduzia: a cruz revestida de pannos claros, o padre paramentava-se de branco, não havia cânticos e a banda atacava o que encontrava de mais alegre no repertorio. As velas eram substituídas por flores; soltavam rojões. As meninas compareciam, “vestidas de virgens”. Demonstrações de alegria, pois era mais um anjo que subia aos céus. Duvido, porém, que os paes, as mães sobretudo, concordassem com isso. Prefeririam, sem dúvida, que os anjos continuassem cá na terra.” (FRANS, 1939a, p. 56 e 57)

 

Especula-se que a antiga capelinha existente no cemitério foi ofertada pela benemérita Dona Eufrasina Maria do Carmo pouco depois da sua fundação. Em 1968, na administração José Freiria foi reconstruída.  (A Cidade de Batatais, 12/11/1968)

Quanto ao nome atual do antigo cemitério paroquial, hoje municipal, o ‘Cemitério Bom Jesus’, uma homenagem ao santo padroeiro da cidade de Batatais, não conseguimos precisar a exata data da sua mudança de nome, acreditamos pelos indícios ter sido no período de sua municipalização, no princípio dos anos 60.

Na década de 60, o cemitério paroquial foi transferido para a administração municipal; ainda assim, os registros de óbitos continuaram sendo feitos também pela paróquia até os anos 80.

Para rememorar: a documentação de assentamento de óbitos existente nos arquivos do Santuário Senhor Bom Jesus perpassa a história local, com registros de 1814 a 1981.

O Cemitério Bom Jesus, está repleto de arte tumular de expressivo valor artístico e histórico.  O conjunto tumular do dito cemitério é, em sua maioria, composto por sepulturas mais ornamentadas no acesso central (passeio de entrada) e as próximas à capela, destacando-se os jazidos, capelas-jazidos, hermas, mausoléus, em mármore de Carrara, com inscrições e esculturas em suas lápides – em mármore ou bronze.

Os jazigos considerados monumentais, em sua maioria, foram encomendados pelas famílias elitizadas da cidade: fazendeiros do café, industriais, comerciantes, médicos, advogados e juristas que faziam questão de enterrar seus entes queridos em templos requintados. Para tanto, não pouparam dinheiro ao importar esculturas ou até mesmo artesãos oriundos principalmente da Itália.

Há uma parte significativa de túmulos simples, feitos de tijolos, revestidos em cimento ou mesmo azulejos, a maioria deles está localizada atrás da capela e nas laterais do cemitério.

O local guarda os restos mortais de toda uma sociedade, das figuras e famílias conhecidas e abastadas às desconhecidas e anônimas da cidade e região, desde o final do século XIX, além do restante da população menos favorecida economicamente. Quando da fundação do cemitério municipal, a população mais simples passou a ser enterrada no cemitério público, o da Saudade.

Os cemitérios podem ser considerados marcos memoriais, lugares de cultura e de conhecimenbto da vida e morte das pessoas e das cidades. As informações constantes nas lápides podem nos ajudar a contar muito além das histórias individuais e familiares: é possível avançar nos campos sociais, culturais, econômicos, políticos e religiosos da história local e regional.

Pena que o mau estado de conservação e aparente abandono do Cemitério Bom Jesus, com suas lápides quebradas ou destruídas pelo tempo ou por vândalos; os desníveis do chão de terra batida; a falta de dados nos túmulos entre outros, acabam por destruir nossas memórias, apagar ainda mais nossa história e minar as possibilidades de estudos mais aprofundadas.

Este marco cultural, que guarda a última homenagem e morada de entes mortos requer muita atenção e uma comprometida política pública de preservação, proteção e valorização permanente dos espaços cemiteriais existentes em nossa cidade com vistas a compreender a importância deste bem patrimonial de valor histórico, artistico e turístico.

Túmulo José Olympio – Cemitério Bom Jesus

 

Túmulo infantil – Cemitério Bom Jesus

 

Cemitério Municipal: um cemitério laico, o da Saudade …

Vista geral do Cemitério da Saudade

A Câmara Municipal de Batatais discutia a necessidade de se edificar um cemitério municipal desde anos anteriores ao estabelecimento da República em 1889.

Uma dessas intenções pode ser verificada no relatório do segundo semestre de 1886 enviado à Câmara Municipal pelo Fiscal da mesma. Esse relatório foi feito antes da inauguração do Cemitério Paroquial de Batatais. Por este tempo, o fiscal fazia referência ao Cemitério do Bosque.

É de grande necessidade a criação de um cemitério municipal nesta cidade, não só por ser di rendimento para os cofres municipais, como também da saúde pública que tem sido alterada devido ao cemitério da Igreja, que além de ser insuficiente para os enterramentos, é este serviço feito pessimamente, tudo devido a falta de zelo do actual sachristão da Igreja.” (ACMB, 1886)

A República de 1889 implanta novas regras de organização da sociedade com o Estado laico – Estado separado da Igreja – e promove a institucionalização definitiva do registro civil.

Mediante as novas regras republicanas, 10 anos após a inauguração do Cemitério Paroquial de Batataes, a então Câmara Municipal recebe nova indicação para se construir um cemitério municipal na cidade.

“Attendendo a necessidade que atualmente existe, de um cemitério que esteja ao alcance de satisfazer as necessidades do município. Indicamos que a Camara Municipal trate com a máxima urgência de sua fundação, nomeando para este fim, uma comissão a qual deverá fornecer as bases necessárias, escolhendo sua edificação em logar conveniente. Sala da Camara, 02 de julho de 1900” (ACMB, 1900)

Logo de início a indicação não foi aceita, porém, passado um tempo, em 1902, após acaloradas discussões sobre a necessidade de implantação de um cemitério público, o então prefeito, Renato Jardim, aprovou o projeto de lei para criação de um cemitério municipal.

O primeiro cemitério público da cidade de Batatais, o da Saudade, foi aberto em 1903. Tal medida vinha ao encontro da necessidade de um cemitério laico, após a separação do Estado da Igreja e, assim da obrigatoriedade do governo em assumir o registro civil da população e cuidar para que os preceitos sanitários da época fossem atendidos.

Também é de 1903 o primeiro sepultamento ocorrido no cemitério público: uma mulher italiana, casada, de nome Regina Posetti, 46 anos, de filiação ignorada, falecida no dia 27 de maio. A provável causa da morte teria sido ‘miningite’.

Os corpos ao serem sepultados eram registrados no ‘Livro de Sepultamento’ da prefeitura.  O Cemitério Municipal da Saudade tem sob custódia atual um acervo composto por mais de 10 livros de sepultamentos e 01 livro do Cemitério Bom Jesus que foi iniciado em 1964, quando este cemitério já pertencia ao município.

Além dos Livros de Sepultamento, o setor administrativo do cemitério, guarda uma vasta documentação, entre elas, o livro de pagamento de perpétuas e recibos de taxas de enterramento.

Trata-se de um grupo documental que pode ser consultado pelos munícipes em geral, que buscam informações variadas, como: prova legal do falecimento e enterramento de familiares, prova da propriedade do túmulo, documentação para solicitação de cidadania estrangeira, informações para estudos genealógicos; e, por parte de pesquisadores especializados, os livros de registros de sepultamento constituem numa fonte privilegiada para estudos da história da cidade, com temas relacionados a saúde, higiene, imigração, demografia entre outros.

Os túmulos e jazidos, dispostos em ruas e quadras, ultrapassam os 10.000, com um total aproximado de 20.000 corpos enterrados, conforme informou o responsável administrativo do cemitério, Rinaldo Aparecido da Silva, mais conhecido como ‘Nardão’.

A parte mais antiga do cemitério possui um conjunto tumular diversificado, que buscou externar, na maioria das vezes, o grupo e a importância social do falecido. As lápides, jazidos, capelas e mausoléus das famílias mais conhecidas e/ou abastadas da cidade exteriorizam a fé, a visão de morte, com esculturas em mármore ou bronze em formas de anjos, figuras sacras entre outras, feitas em sua maioria por escultores imigrantes ou descendentes de italianos.

Outra parte dos bens tumulares é composto por sepulturas simples de tijolo, revestidas de reboco, caiadas e com inscrições geralmente nas cruzes de metal, com a identificação do falecido – que vão se apagando com o tempo – em estado de abandono.

O Cemitério da Saudade tem passado nos últimos anos por reformas e ampliação, mas ainda são necessárias várias melhorias e uma maior atenção às lápides e túmulos mais antigos que ficam, em sua maioria, na ‘rua’ principal da antiga via de entrada da necrópole.

Sobre a capela existente no Cemitério da Saudade sabemos que foi construída em 1927.

1 – Jazido provavelmente pertencente a um maçom (as pirâmides no topo) – Cemitério da Saudade
2 – Jazido da Família Orsolini – Cemitério da Saudade

 

3 – Túmulo simples – Cemitério da Saudade                    
4 – Anjo de mármore – Cemitério da Saudade

 

Repensando nossa relação com os cemitérios 

“os modos de morrer, enterrar e de cultuar os mortos

 permite-nos espiar um pouco da sociedade da época,

inclusive sobre as especificidades locais.”

Renato Cymbalista

O Museu Histórico e Pedagógico ‘Dr. Washington Luís’ desenvolve, desde 2014, pesquisa de campo sobre os Cemitério da Saudade e Cemitério Bom Jesus de Batatais com vistas a repensar seu uso enquanto espaço, e, assim, servir a múltiplos propósitos como por exemplo: a percepção desse espaço como bem cultural, artístico, histórico e mesmo turístico, capaz de estimular por meio de ações educativas a reflexão sobre a importância da manutenção e preservação desse patrimônio material e imaterial a ser preservado.

Como instituição museal, nosso papel é ajudar na fomentação junto aos setores públicos, privados, educativos, midiáticos, culturais de verbas e pessoal para ações como restauração e manutenção dos bens cemiteriais.

Vista geral do Cemitério Bom Jesus